segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

No tempo em que um timaço jogava no Andaraí


Em pé: Orlando, Geraldo, Rogério, Alex, Ivo e Álvaro; Agachados: Flecha, Bráulio, Luisinho, Edu e Gilson Nunes.

* * *
Lembro da primeira vez em que vi a foto do time do América campeão da Taça Guanabara de 1974. Eu era moleque, tinha uns 10, 11 anos, e a foto saiu na sessão de cartas de uma Placar na época.

A princípio, o que mais me impressionou foi que a equipe - repleta de cabeludos e barbudos, bem ao estilo da época - parecia mais uma banda de rock do que um time de futebol. Poderia se chamar Black Sabbath F.C., se quisesse.

Depois fui saber - de ler, pesquisar e ouvir histórias - que se tratava de um timaço. Aguerrido, ofensivo, mas acima de tudo muito técnico, no qual até os beques eram classudos.

Depois de um 1973 bem fraco, o time começou o ano seguinte em grande forma. Treinado por Danilo Alvim, "o Príncipe", ex-jogador do próprio América e do Vasco nos anos 40 e 50, fez a terceira melhor campanha da primeira fase do Brasileiro - disputado no primeiro semestre - entre todos os 40 participantes, atrás apenas de Grêmio e Flamengo.

No entanto, os problemas começaram a aparecer na reta final. Devido aos atrasos de salários, o meia Tadeu Ricci (que depois jogaria no rubro-negro carioca e no tricolor gaúcho) abandonou o clube, e o centroavante Caio "Cambalhota" rompeu com a diretoria. Diante disso, era inevitável a queda de rendimento, e o América acabou de fora do quadrangular final da competição, vencida pelo Vasco.

Foi então que a boa fase voltou no Carioca. A prova disso veio logo na partida de estréia, jogo de entrega das faixas de campeão brasileiro do Vasco. Com três gols de Luisinho, o América fez 4 a 1 e "botou água no chope" do time cruzmaltino, como se disse na época.

O título da Taça GB veio em 22 de setembro, quando o time formado por Rogério; Orlando, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo, Bráulio e Edu (depois Renato); Flecha, Luisinho e Gilson Nunes venceu por 1 a 0 o Fluminense treinado por um jovem Carlos Alberto Parreira, que alinhou Félix; Toninho, Brunel, Assis e Marco Antônio; Carlos Alberto Pintinho, Gérson e Cléber; Cafuringa, Gil e Mazinho.

O time ainda chegou com chances nas últimas rodadas dos outros dois turnos da competição, mas não levou a taça. No triangular final, perdeu para o Flamengo por 2 a 1 e empatou com o Vasco em 2 a 2, ficando de fora da briga. Mas vale destacar a boa campanha ao longo da competição, na qual o América não perdeu um ponto sequer para os times pequenos: 18 vitórias, três empates e seis derrotas (quatro para os rubro-negros e duas para os cruzmaltinos), em 27 partidas.

Os titulares, da foto e de todo o campeonato, eram os seguintes:

Rogério - O goleiro fez parte da leva de jogadores recebida pelo time rubro na negociação do atacante Tarciso com o Grêmio em 1973. Antes de chegar ao Rio, porém, defendeu ainda o extinto Ceub, de Brasília.

Festejado ao chegar por ter conseguido se firmar como titular depois que vários outros goleiros fracassaram - chegou a ser capa da Placar em setembro de 74 -, foi acusado de estar "vendido" na partida contra o Flamengo no triangular final (vitória rubro-negra por 2 a 1) e acabou perdendo a posição.

Orlando - Um dos maiores laterais-direitos da história do clube e um dos grandes da posição no Brasil na época, o jogador veio do Santos em 74, depois de passagem por empréstimo pelo Coritiba no ano anterior.

Projetava-se muito bem ao ataque e era exímio cobrador de faltas e pênaltis. De seu pé direito, aliás, saiu a bomba que explodiu nas redes de Félix e deu o título do primeiro turno ao América. Era também muito temperamental: expulso na partida contra o Olaria - a penúltima da Taça Guanabara -, acabou absolvido e liberado para enfrentar o Fluminense.

Em 1976, chegou à seleção brasileira comandada por Osvaldo Brandão, que derrotou a Itália por 4 a 1 na decisão do Torneio Bicentenário, nos Estados Unidos. No ano seguinte, acabou vendido ao Vasco. Em 1981, defendeu ainda a Udinese.

Alex - Nascido Alexander Kamianecky, em Hannover, na Alemanha, por muito pouco o zagueirão que aliava técnica, raça e muita disciplina não se tornou um raro caso de estrangeiro defendendo a seleção brasileira.

Em 1970, fez parte do listão de pré-convocados para a fase de preparação para a Copa do Mundo daquele ano, mas acabou cortado sem chegar a vestir a camisa canarinho. Em 77, ganhou ainda o troféu Belfort Duarte, recebido pelos atletas que passaram dez anos sem receber cartão vermelho.

O jogador chegara ao América em 1967, depois de defender por dois anos o Aimoré de São Leopoldo, no interior gaúcho. E só saiu do clube carioca em 1980, com 673 partidas pelo time rubro no currículo e um lugar de destaque na história americana. Hoje, está imortalizado na calçada da fama do Maracanã.

Geraldo - Revelado pelo clube, virou titular da zaga no Carioca, fazendo grande dupla com Alex. Marcador vigoroso, foi vendido ao Vasco em 1977, juntamente com Orlando, sendo campeão carioca naquele mesmo ano.

Álvaro - Outra cria do América. Assim como Alex, ficou no clube até o começo dos anos 80, mas nem sempre como titular. Lateral-esquerdo seguro, não se destacava tanto no apoio quanto Orlando, mas exibia grande regularidade.

Ivo - Talvez um dos jogadores dos quais o Grêmio mais se arrependeu de ter incluído na negociação de Tarciso. Volante clássico, firme no combate e perfeito na distribuição e saída de jogo.

Em 1975, esteve prestes a ser vendido ao Atlético de Madri. No entanto, seus exames médicos acusaram um grave problema cardíaco. Até hoje comenta-se que o clube espanhol teria inventado a polêmica para desistir da negociação e contratar em seu lugar Leivinha e Luis Pereira, do Palmeiras.

Coincidência ou não, o fato é que Ivo acabou se transferindo para o time paulista em 1977. Depois de encerrar a carreira, virou técnico e ganhou direito ao sobrenome, Worthmann.

Bráulio - O meia-atacante era considerado o "garoto de ouro" do futebol gaúcho, quando começou no Internacional. Chegou ao América em 74, na troca pelo centroavante Sérgio Lima com o colorado, que trouxe ainda os atacantes Volmir e Manuel ao time carioca.

Um dos responsáveis pelo jogo muito técnico do time e preciso nos lançamentos, ficou no América até o fim da década, tendo ainda passagens por Botafogo e Coritiba.

Edu - Hoje lembrado como "irmão do Zico", na época, era o Galinho - então surgindo no Flamengo - que era conhecido como "irmão do Edu". Eduardo Antunes Coimbra entra fácil em qualquer escalação de melhores de todos os tempos do América.

Chegou ao clube em 1965, e quatro anos depois foi artilheiro do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (o Brasileirão da época), com 14 gols. De estilo de jogo semelhante ao irmão mais novo, honrou a camisa 10 do América até 1974. Em seu último jogo oficial pelo time rubro, contra o Vasco na segunda partida do triangular final do Carioca daquele ano, marcou o gol de empate em 2 a 2 aos 39 minutos do segundo tempo, num resultado que praticamente deu o título ao Flamengo.

A partir do ano seguinte, passou a rodar por diversos clubes do Brasil, jogando nos próprios Flamengo e Vasco, além do Bahia, Colorado-PR, Joinville, Brasília e Campo Grande-RJ.

Voltou ao América em 1982, como técnico, levando o time ao título do segundo turno do Estadual daquele ano - a primeira Taça Rio. Em 1984, enquanto dirigia o Vasco, assumiu a seleção brasileira por apenas três jogos. Desde então comandou vários outros times do Brasil e do exterior, e passou a acompanhar Zico na função de auxiliar técnico do irmão.

Flecha - Ponta-direita rápido (daí o apelido), habilidoso e impetuoso, foi outro jogador de quem o Grêmio deve ter lamentado incluir na negociação com o América. Formou uma ala direita de muita raça com Orlando.

Infelizmente para os rubros, só chegou a defender a seleção depois de ter sido vendido ao Guarani, em 1976. Também teve passagem pelo Coritiba antes de chegar ao América.

Luisinho - Outro jogador muito ligado ao América, Luisinho Lemos - ou Luisinho "Tombo" - foi lançado no time de cima em 1973, mas a consagração como titular veio no ano seguinte.

Vice-artilheiro do Brasileiro, com 15 gols - um a menos que Roberto Dinamite, do Vasco - e maior goleador do Carioca, com 20, o centroavante terminou 1974 cobiçado por clubes como o Palmeiras e o próprio time de São Januário, mas acabou assinando com o Flamengo, onde formaria grande dupla com Zico, entre 1975 e 77.

Irmão mais novo de dois outros grandes centroavantes do futebol brasileiro - César "Maluco", do Palmeiras, e Caio "Cambalhota", do Flamengo -, Luisinho ainda defenderia o time rubro entre 1980 e 1981, 1982 e 1984, e 1985 e 1987. Na longa carreira, jogou ainda no Internacional (1977), Botafogo (1978 e 79), Las Palmas da Espanha (1982), Palmeiras (1984) e Americano (1987).

Gilson Nunes - Um dos jogadores mais experientes daquela equipe, já tinha sido campeão carioca em 1964 pelo Fluminense e em 1970 pelo Vasco. Chegou ao América em 1974 e ficou até 76. Ponta-esquerda, além de ir à linha de fundo, fazia muito bem a função de compor o meio-campo.

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